Como pechinchar

Inicialmente, a turista ficou encantada com a grande bolsa de couro de camelo que acabava de comprar no Cairo. “Por 350 piastras, apenas”. Mais tarde, moderou seu entusiasmo ao saber que outra turista havia comprado exatamente a mesma bolsa por 275 piastras. Por fim, ficou completamente abalada ao descobrir que uma egípcia poderia ter feito a mesma compra por 100 piastras. ”Fui roubada”, lamentou-se. Não sabia como pechinchar.

Sem o saber, ela tivera o seu primeiro contato com o velho jogo da pechincha e, sendo absolutamente inexperiente, perdera. Tudo isso porque, como a maior parte dos ocidentais, vivia em um mundo de preços fixos.

Em grande parte da Ásia, África, do Oriente Médio e da América do Sul, considera-se pechinchar coisa tão natural como o nascer do Sol. Na própria Europa, os preços se tornam sujeitos a discussão à medida que se toma o caminho do sul até chegar ao Mediterrâneo, o grande Mar da Pechincha, cujas margens ainda sentem a influência das grandes raças pechincheiras do Levante: gregos, judeus, arménios e fenícios.

Pechinchar é um jogo

O que os ocidentais precisam compreender, sob pena de nunca chegarem a entender-se com metade do mundo, é que pechinchar é muito mais do que uma maneira de fazer negócios. É um jogo, um esporte, uma arte. E começa desde tenra idade. Um professor americano residente no Cairo contou-me como os seus alunos costumavam pechinchar com ele pelas notas:

— Dou 20 a Abdullah. Ele me procura e diz que merece pelo menos 80, mas que aceitará uns 60. Afirmo que a nota é 20. Ele expõe uma dezena de razões pelas quais eu devia fazer negócio com ele … o.pai não se zangará com ele, eu provarei que não sou antiárabe, e assim por diante. O aluno mostra dificuldade em acreditar que eu não queria regatear e que, quando dou 20, é para valer. Sai todo aborrecido e vinga-se dizendo que sou imperialista.

Travei conhecimento com a arte de pechinchar em 1941, em Damasco. Quis comprar um punhal num bazar e, quando o homem me pediu um preço fantástico, saí cheio de imponente indignação. Poucos minutos depois, porém, um velho francês se aproximou de mim e disse : Vi tudo, monsíeur. Queira desculpar-me, mas acho que está procedendo erradamente.

Levou-me em seguida para um café e me deu uma das mais valiosas lições que já recebi.

Como pechinchar

O conceito fundamental do homem era o seguinte: os países onde é comum pechinchar são justamente aqueles onde se dá maior importância às boas maneiras e às normas de cortesia. Eu tinha violado as regras, mostrando-me grosseiro, direto, ofensivo. Em seguida, traçou-me as três regras de ouro da pechincha, e sugeriu que eu fosse experimentá-las em outra loja.

Entrei sozinho, peguei num punhal comum que valia no máximo dois dólares e examinei-o com admiração.

Belo trabalho! — disse eu. –Uma das peças mais finas que já encontrei.

Primeira Regra: Elogiar sempre o artigo.

O negociante respeitará delicadeza. Se achar que está sendo sincero e que se chega à insensatez de valorizar demais a mercadoria, melhor. Nas compras, como nas guerras, pode ser fatal subestimar o adversário.

Em seguida perguntei:

— Quanto custa?

O homem era todo gentilezas,

— Vou fazer-lhe um preço especial. Apenas dez dólares.

Acenei com a cabeça, concordando.

E um preço muito razoável para uma peça tão fina.

Segunda Regra: Mesmo que façam um preço escandalosamente alto, fingir que o julgamos justo.

E então, o terceiro passo de como pechinchar.

— Eu compraria sem hesitar. Disse eu com um suspiro sentido — se tivesse o dinheiro.

— Como assim? perguntou ele.

— A questão é que vou viajar esta noite – disse eu com outro suspiro.- Já paguei minha conta no hotel. Não posso mais descontar cheques e só me restam dois ou três dólares.

Terceira Regra: Inventar algum motivo pelo qual não se possa gastar mais do que determinada importância.

Continuei examinando o punhal.

—Uma beleza! — murmurei. — Mas, infelizmente …

O negociante olhou-me um momento.

—Meu caro senhor, vou fazer-lhe um preço excepcional: apenas sete dólares!

— Mas não é possível! — protestei.

É muita bondade sua, mas creio que você não me entendeu bem. Teria prazer em pagar-lhe os dez dólares se..

—Escute aqui. Pague cinco dólares e não se fala mais nisso É menos do que me custou, mas quero que o senhor fique com o punhal.

E assim se foi prolongando a transação. Por fim, ele me deu o punhal por nada. Quando saí, ele estava com um ar triunfante por ter-me afinal convencido a levar o artigo. Nunca mais obtive tão bom resultado, nem tenho esperança disso. Contudo, em muitos anos de pechinchas, já economizei bom dinheiro e diverti-me a valer, aplicando as regras do velho francês.

A terceira regra de como pechinchar é sem dúvida alguma a mais difícil. Não é fácil apresentar uma razão convincente pela qual um turista que tem dinheiro suficiente para viajar pelo mundo deixa de ter no bolso uma quantia mínima. As mulheres, sem dúvida, podem sempre dizer que os maridos lhes recomendaram que não gastassem mais do que determinada quantia.

Como pechinchar apesar da barreira cultural

O turista ocidental é pateticamente vulnerável às dezenas de armas de que dispõe um negociante hábil. Quase nunca conhece uma palavra da língua do país onde está, não tem qualquer noção dos níveis dos preços locais e se atrapalha com a moeda do país. Pode ser também sensível à floreada cortesia e à simpatia que os negociantes, especialmente os orientais, são capazes de manifestar com surpreendentes resultados. Um golpe antigo é o negociante insistir em oferecer ao freguês café, chá e às vezes até um refrigerante. É quase impossível recusar — a xícara de café do tamanho de um dedal aparece como por encanto —- e, quando se aceita uma gentileza, parece grosseria discutir por causa de preços.

Uma técnica empregada pelos negociantes é a da Grande Mentira, ou dos preços fantásticos. Em Roma, onde moro, costumo ir à fascinante e tumultuosa feira aos domingos pela manhã na Porta Portese, chamada ”mercado das pulgas“. Certa vez encontrei uma campainha elétrica fora do comum que me agradou. Tive grande satisfação em regatear até fazer baixar o preço de 2 000 liras que me pediram para apenas 800 liras, e fechei negócio. Alguns dias depois, vi exatamente a mesma campainha nova em folha, numa loja de artigos de eletricidade, por apenas 700 liras. Moral: convém estar um pouco a par do valor das coisas.

E cuidado, muito cuidado, ao tentar comprar coisas realmente de valor como pedras preciosas e tapetes, salvo quando se é um verdadeiro técnico. Na índia e no Ceilão os turistas compram frequentemente uma pedra que têm certeza de ser topázio. Em 90% dos casos, trata-se de quartzo enfumaçado, submetido à ação do calor, que é uma bela pedra, mas tem muito menos valor que o topázio verdadeiro.

O amor-próprio

O amor-próprio representa papel relevante nas transações orientais e pode ser explorado pelo comprador. Imagine-se que não se tenha conseguido fechar negócio com uma pulseira. Pode-se dizer:

—Para dizer a verdade, o artigo é bom demais para mim. Tem aí alguma coisa do mesmo estilo, porém mais barata?

O negociante poderá aparecer com outra pulseira exatamente igual, mas que é, conforme ele assegura, um produto um tanto inferior. Sabe-se que é a mesma coisa, e ele tem certeza de que não está enganado, mas com base nessa frágil ficção pode-se voltar a pechinchar numa escala de preços mais baixa.

Onde pechinchar

Além de como pechinchar, constitui também um problema saber onde se pode pechinchar. Um olhar gelado é o que se conseguirá tentando regatear, por exemplo, numa grande loja de departamentos em Paris ou Roma e até mesmo no Cairo ou em Beirute. Também não se terá o menor sucesso mesmo no Líbano, se se tentar pechinchar com o preço da gasolina, dos cigarros e de outros artigos que têm realmente preço fixo. Mas, na própria Roma, há um número espantoso de pequenas lojas que dão desconto nas compras à vista, desde que se peça.

Mas o gosto de pechinchar, desde que se adquira o jeito de ganhar, pode ser tão absorvente quanto qualquer outro jogo. Um casal que conheci no Cairo voltou para a sua terra natal há alguns anos. Ainda recentemente fizeram-me correr a casa onde moram e me mostraram com orgulho as pechinchas que obtiveram dos comerciantes locais.

—Veja esta cadeira — disse-me a dona da casa. —O antiquário queria 90 dólares, mas acabou deixando-a por 40. E esta mesa …

O marido me disse:

— Às vezes, sentimos um pouco de remorso. A velha técnica do Cairo de como pechinchar é uma arma secreta aqui. Somos lobos soltos no meio de um mar de ovelhas.

Como aprendi a pechinchar com toda a perícia.
Seleções do Reader’s Digest, janeiro de 1964 Tomo XLV, no. 264.
Rio de Janeiro: Ed Ypiranga.

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